No devaneio de matéria líquida, cintilante e oscilante, carne em frenesi de vida, a carioca Stela do Patrocínio fez-se poeta. Ecoou o obscuro através de uma boca que falava coisas. Na crueldade e na bênção da ignorância, falou como quem tece vislumbres de uma vida profunda. Desmembrou as palavras, desenraizou-as do ensimesmado cartesiano no fluxo de desrazão da mente delirante. Na tentativa de dar forma a si e ao mundo com sua voz, Stela produziu um discurso lúcido, consciente de sua condição subjetiva, da vida no hospício e dos abismos humanos.
Filha de Manoel do Patrocínio e Zilda Xavier do Patrocínio, nasceu a 9 de janeiro de 1941. Gostava de leite condensado, Coca-Cola e salgado, biscoito de chocolate, cigarros, caixa de fósforos, óculos de sol, blusas azuis. Tinha instrução secundária e trabalhava de empregada doméstica na Urca, na mesma casa em que sua mãe enlouqueceu. Foi admitida aos 21 anos no Centro Psiquiátrico Pedro II após registro na quarta Delegacia de Polícia.
Rápidas e esparsas são as imagens do passado de Stela do Patrocínio. Um andar sem registro a que foi submetida por sua condição de mulher, negra, pobre e esquizofrênica no Rio de Janeiro da década de 1960. Diagnosticada com “personalidade psicótica mais